22 de jun. de 2008

Virtude: conceito fundamental para enterdermos Ética


Apresentamos abaixo dois fragmentos de textos de Voltaire (1694-1778), iluminista sarcástico, de língua impiedosa, estabelece a relativização das leis, mas, ao mesmo tempo, aponta para seu caráter objetivo. Vale a pena conferir, mesmo em tempos de greve. Vale para que não tornemos nossos discursos tão engessados por nossas lutas tão focadas. Assim, aliamo-nos a esse ícone do pensamento mundial, que, sem dúvida, permitirá entender melhor o tema da intolerância, ação tão recorrente no sistema escolar. Boa leitura!!!


Voltaire
Capítulo IX
Da Virtude e do Vício


Para que uma sociedade subsista, é preciso que haja leis, como é preciso haver regras para cada jogo. A maioria dessas leis parecem arbitrárias, dependem dos interesses, das paixões, das opiniões dos que as inventaram e da natureza do clima onde os homens se reuniram em sociedade. (...) Num lugar, os pais e as mães suplicam aos estrangeiros que aceitem dormir com suas filhas, em todos os outros lugares uma moça que se entregar a um homem está desonrada. Em Esparta encorajava-se o adultério (...). O mesmo judeu que, em Metz, seria enviado às galeras se tivesse duas mulheres, terá quatro em Constantinopla e será mais estimado pelos Mulçumanos.

A maioria das leis contraria-se tão visivelmente que aquelas que governam um Estado importam muito pouco: o que importa é que, uma vez estabelecidas, sejam executadas. Assim, não há maiores conseqüências em que as regras para o jogo de dados ou de cartas sejam estas ou aquelas (...).

A virtude e o vício, o bem e o mal moral são, portanto, em todos os países, aquilo que é útil ou daninho à sociedade; (...)

(...) parece-me certo que há leis naturais que os homens são obrigados a respeitar em todo o universo, malgrado as demais leis que possuam. Na verdade, Deus não disse aos homens: “Eis as leis que de minha boca vos dou, para que vos governeis por elas”. Mas, fez no homem, o que fez em muitos outros animais: deu às abelhas um instinto poderoso (...) e deu ao homem certos sentimentos dos quais jamais poderá desfazer-se, vínculos eternos e primeiras leis da sociedade, prevista por Ele como forma da convivência humana. A benevolência por nossa espécie (...)
O adultério e a pederastia são permitidos a muitos em muitas nações, mas não encontrareis nenhuma onde seja permitido faltar à palavra (...).
(...)

Tratado de Metafísica, de Voltaire. In: Coleção. Os Pensadores. Trad. Marilena de Souza Chauí. São Paulo: ed. Abril Cultural: 1984.


VIRTUDE

Que é virtude? Beneficência para com o próximo. Poderei chamar virtude a outra coisa senão ao bem que me fazem? Eu sou indigente, tu és liberal; eu estou em perigo, tu vens em meu socorro; enganam-me, tu me dizes a verdade; esquecem-me, tu me consolas; eu sou ignorante, tu me instruis: chamar-te-ei sem dificuldade virtuoso. Mas que acontecerá com as virtudes cardinais e teologais? Algumas delas ficarão nas escolas.

Que me importa que sejas temperante? É um preceito de saúde que observas; beneficiar-te-ás com isso e eu te felicito. Tens fé e esperança, redobro-te minhas felicitações: elas te concederão a vida eterna. Tuas virtudes teologais são dons celestes: tuas virtudes cardinais são excelentes qualidades que servem para te conduzir ao bom caminho; mas não são virtudes que se relacionem com o teu próximo. O prudente faz o bem a si, o virtuoso fá-lo aos homens. S. Paulo teve razão ao dizer que a caridade implica a fé e a esperança.

Mas como! admitiremos apenas as virtudes que são úteis ao próximo? Então! como poderei admitir outras? Vivemos em sociedade; nada existe de verdadeiramente bom para nós senão o que beneficia a sociedade. Um solitário será sóbrio, piedoso; revestir-se-á de um cilício: pois bem, será santo; porém não o chamarei virtuoso senão quando praticar algum ato de virtude em proveito dos homens. Enquanto for só, não será nem malfeitor nem benfeitor; nada é para nós. Se S. Bruno pacificou as famílias, se socorreu a indigência, foi virtuoso; se jejuou, rezou na solidão, foi um santo. A virtude entre os homens é um comércio de benefícios; o que não participa desse comércio não deve ser considerado. Se esse santo estivesse no mundo, sem dúvida praticaria o bem; mas enquanto não o estiver o mundo terá razão em não lhe conceder o nome de virtuoso: será bom para consigo próprio, e não para nós.

Mas, dizeis-me, um solitário glutão, bêbedo, entregue à devassidão secreta consigo mesmo, é um vicioso: será portanto virtuoso se tiver qualidades contrárias É no que não posso convir: será um homem muito vil se tiver de fato os defeitos que dizeis; mas não pode ser um vicioso, mau, susceptível de
punição, no que diz respeito à sua relação com a sociedade, a quem suas infâmias não fazem mal algum.

É de presumir que se entrar na sociedade praticará o mal, será um grande criminoso; é até muito mais provável que venha a ser um homem mau do que incerto é que outro solitário, casto, temperante, venha a ser um homem de bem: pois na sociedade os defeitos aumentam e as boas qualidades diminuem.

Faz-se uma objeção mais forte; Nero, o papa Alexandre VI. e outros monstros dessa espécie fizeram benefícios; ouso responder que foram virtuosos nesse dia. Dizem alguns teólogos que o divino imperador Antonino não era virtuoso; que era um estóico tençoeiro que, não contente de governar os homens, ainda queria ser estimado por eles; que fazia reverterem a si próprio os benefícios que fazia ao gênero humano; que foi toda a sua vida justo, trabalhador, benfeitor por simples vaidade, e que apenas enganou os homens com a sua virtude; neste caso exclamarei: "Meu Deus, dai-nos a basto velhacos desta laia!".

Dicionário Filosófico, de Voltaire. Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/


2 comentários:

Anônimo disse...

Olá,

Tento me aprofundar no pensamento filosófico desde pequeno, porém, apenas depois de crescido descobri que se chamava filosofia.
O caminho da filosofia foi o que me fez ver as coisas como realmente são, mesmo que por alguns instantes.
Uma das barreiras que enfrento, é a "língua", muitos termos e palavras eu desconheço, por isso a cada texto eu me deparo com inúmeros desafios, em sua grande maioria superados por simples pesquisas ao "oráculo" google.
Porém um desses desafios sinto que não poderei completar sozinho, por isso peço sua ajuda.Poderia me explicar o significado da frase final:
"Meu Deus, dai-nos a basto velhacos
desta laia !".

Agradeço a atenção.

Anônimo disse...

"Virtude é o bem q vc faz ao próximo"