13 de jul. de 2008

A Palavra Invisível - Sobre Cinema


daniel marcolino

O composto semântico em que se constitui o ‘texto fílmico’ é freqüentemente reduzido a um locus onde toda uma tradição fincada na palavra, representada e referendada principalmente pela literatura, não só o destrói em sua autonomia, adquirida no decorrer do século XX, mas o impossibilita como coerência textual, porque não temporaliza a imagem, mas, ao contrário, escraviza-a, conferindo-lhe um outro corpus a ela estranho. Trata-se da colonização da imagem, ou em outros termos, de filmes gritantemente literalizados.
Não devemos nos deixar levar por uma compreensão equivocada construída a partir do termo texto (tessitura, tecido) e pensar que aí cabem, pois, todas as possibilidades de expressão presentes nas mais variadas artes, uma vez que se de tecido entende-se uma articulação adquirida a partir de vários pontos, no texto fílmico caberiam também várias outras formas de expressão artística. Podemos, sim, pensar o tecido com seus vários pontos e entrelaçamentos pretendendo tornar-se um todo que se apresenta como tal, isto é, coesa e coerentemente do ponto de vista estético e lingüístico. No caso do texto fílmico não podemos prescindir da ‘palavra invisível’. Ela é chamada a se articular, ou melhor, a fundir-se à imagem que a solicita em desespero em momentos inadiáveis a compor com ela um amálgama homogêneo, acariciando, assim, o cinema em suas exigências mais ortodoxamente gramaticais.
A palavra invisível, pois é ‘aceita’ no texto fílmico por sua humilde discrição, o que não significa que ela deva se envergonhar e se ‘esconder’, mas deve estar ali quando for conveniente, não só ‘auxiliando’ a imagem, mas sintetizando junto com ela e com os outros elementos fílmicos (ruído, trilha sonora, silêncios, fala narrada, texto escrito etc.) o todo fílmico. Contudo, há filmes que se entendem servidores radicais da comunicação, como se o cinema fosse uma língua, a tagarelar uma história. Ora, o cinema, como arte, é antes expressão.
Estamos tratando de palavra invisível aquela palavra que não chama a atenção para si; ela não brilha como néon nem fere os ouvidos, mas presentefica-se despercebidamente mesmo estando ali no pleno uso de suas funções, permitindo que a leitura imagética seja feita sem maiores transtornos.
O que estamos tentando assegurar, por fim, é que a imagem é intraduzível em palavras. E se num filme ve-mo-las aos montes, desconfiemos, e procuremos se ali as imagens não estarão sendo anacronicamente escravizadas por belas, mas inaptas e indesejáveis palavras visíveis demais.

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