13 de jul. de 2008

UMA ATIVIDADE SAGRADA



daniel marcolino


Igreja de Auvers, de Van Gogh

Hoje é sábado ou domingo ou mesmo um desses feriados santos em uma cidade que respira santos como esta de Juazeiro do Norte, e eu procuro uma atividade, qualquer coisa nem tão santa para passá-lo melhor. Sim, o dia, seja ele qual for....passá-lo melhor, eis minha pouca missão. Devo dizer que sou amante de coisas de pouco movimento, coisas que, de alguma forma, se deixem ser captadas, estudadas, lidas, apreciadas. É, devo explicar isso, sei. Estou tentando dizer que gosto de pintura, escultura ou mesmo de...sobretudo, talvez, CINEMA. Pois é, disse, e se lhe parece que digo com certo pudor, é verdade, faço-o, digo com hesitante pudor. Pudor que nasce talvez de desautorizada vontade (preferiria dizer ‘inautorizada’, mas você seria o primeiro a me censurar, aliás, preferiria porque ‘in’ parece me servir melhor do que ‘des’) de vivenciar algo talvez pouco merecedor da alcunha ‘sagrado’ em terra tão casta e, santa, por extensão, como dizem e acreditam os que por aqui vivem. Pois é, saí (e não sei se efetivamente fi-lo ou se isso realmente interessa para este relato) em busca de imagens estáticas nessa cidade chamada Juazeiro, imagens de filmes que guardo em minha memória de subversivo, obsessivo, alucinado, que vive a se imaginar em uma sala escura esperando pelos letreiros escritos numa língua que não entende nada, com diagramas (ou seriam hieróglifos?) que lhe dizem tanto, talvez por não lhe dizerem nada, ao contrário dos produtos visuais que têm tanta pretensão em estar dizendo e dizendo, informando e conformando...pois é, falava que saí em busca (caça?) dessas imagens estáticas que congelam o tempo, às vezes, em preto e branco, e que conferem a ele, por isso, existência, sim, existência humana. Percorro labirintos que me conduzem a desesperados olhares de olhos esbugalhados nessa romaria de almas, caminhadas em meio a pessoas que sempre estarão na via contrária. As ruas desta cidade são todas de via dupla. Penso em enlouquecer e me virar e, como o personagem de Sabino, o Grande Mentecapto, ou Dodeskaden, de Kurosawa, ou aquele magnífico rapaz ingênuo (ingênuo?) de Milagre em Milão, de De Sica, ou Tobias, meu deus, Tobias!, ou El Memorioso, de Borges, ou Bartleby, de Melville, ou do formidável vagabundo Juju, de René Clair, do jeito deles me virar de lado e lascar um olhar desses que só "os amantes se dão" e, às vezes, os parentes, ainda que serpentes, porque se conhecem na calma do dia a dia e se acalmam quando se encontram numa multidão como esta. Mas não consigo, nunca conseguirei, NUNCA, meus irmãos, nunca, seja em minúsculas ou, assim, meio gArRAfAiS, nunca conseguirei me acalmar e lhes lançar o olhar despretensioso que a vida nos exige, porque estou me alucinando com essas imagens, luzes, e engulo-lhes com meus olhos também esbugalhados de besta estrangeiro, de sotaque asséptico, e de palavras em ponta de nariz, sim, meu nariz fala aos ventos, e uma borboleta asifica belamente a minha tarde...e me salva; acho que deveria levá-la para casa.


Vou fazer parágrafo só para descansar sua vista de leitor de jornais, mas quanto à história, terei que continuá-la da mesma forma, até porque ela segue engravidando-se!...e filho de peixe...Pois me encontro andando, andando, andando atrás (aliás, sempre atrás) das imagens que marcaram toda uma vida e vejo rostos em câmara lenta, e a lente pela qual busco ver aquelas imagens encontra-se cega, riscada em qualquer empalidecida sala de qualquer pátio empalidecido de estacionamento que já fora sala escura com lentes que viam tanto!, tantas imagens que procuro...meu deus, que procuro...e lá, pelo menos os cartazes dessas imagens e, quem sabe, algum projetor velho, que ainda funcione, pelo qual veja alguma coisa, alguma imagem, uma que seja, qualquer que seja...mas, essas salas estão fechadas, talvez por hoje ser sábado, só isso, ou domingo ou um desses feriados desses feriados santos, os senhores são santos em uma cidade que respira santo e eu procurando uma atividade nem tão santa para passá-lo...mas esse feriado que não acaba nunca!
Fonte da imagem: wikipedia

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Daniel!
Você brinca com as vírgulas e com a linguagem, de modo alucinante, a profanar a "sacralidade" do (des)dizer-padrão. É um mago que manipula elementos, as palavras, em um laboratório, a mente, donde, reunidas, explodem e se espalham, numa intensa ati-vidade. Certa estava Rosa, de Luxemburgo, quando disse que no início não era o verbo, a palavra: no início era a ação.
É ela - a ação - que lhe autoriza.
abraço!